O
que seria o tédio? Muitas vezes o que chamamos de tédio é não ter algo para
fazer. No entanto, se pararmos para pensar, dificilmente existe um contexto no
qual nós literalmente não temos o que fazer. Por exemplo: por que uma pessoa
entediada não simplesmente começa a bater palmas para se livrar do tédio?
Parece que isso dificilmente teria efeito. Outra situação ocorre quando
sugerimos à uma pessoa absorvida em seu tédio que faça alguma atividade “X”.
Essa pessoa olha para nós, se afundando ainda mais no sofá, e tristemente diz:
“mas eu não quero fazer isso”. Além disso, podemos sentir tédio enquanto
estamos de fato fazendo alguma coisa, como quando lemos algum texto cuja
escrita não nos prende muito ou não nos interessa. Dizemos que é uma leitura
entediante. Parece, então, que o tédio está presente em situações no qual não
há algo que queiramos fazer, algo que seja prazeroso.
Na
Análise do Comportamento, quando gostamos de fazer algo, geralmente significa que
este algo nos traz consequências reforçadoras. Na verdade, sabemos que um
comportamento está sendo reforçado pois a frequência com que nos comportamos
dessa forma aumenta (SKINNER, 2003a), por exemplo quando puxamos
assunto várias vezes com alguém, pois quando fazíamos isso recebíamos a atenção
dessa pessoa e tínhamos uma conversa prazerosa com ela (se isso aumentou a
frequência de conversarmos com ela significa que essa atenção e essa conversa
são reforçadoras). A partir disso, o tédio poderia ser entendido como uma
sensação que temos em um contexto no qual hajam poucas ou nenhuma possibilidade
de obter reforçadores significativos. Sabemos disso porque nesses contextos não
fazemos nada, ou fazemos algo poucas vezes. Não conseguimos encontrar algo que
gostaríamos de fazer, nosso comportamento não está sendo reforçado. Skinner
(2003c) fala sobre tédio como algo que pode surgir quando uma
situação é desfavorável para uma ação.
As medidas de isolamento social,
adotadas por conta da pandemia do COVID-19, são uma medida de prevenção da
propagação do vírus. Sem essas medidas, ou quando elas são ignoradas, a
probabilidade de o vírus circular e infectar novas pessoas é muito maior do que
quando permanecemos em nossas casas. São importantes para proteger a população
e evitar a sobrecarga do sistema de saúde.
Se considerarmos que, nessa situação,
nos privamos de ir a lugares de que gostamos (no caso, quem pode permanecer em
casa) e deixamos de ver pessoalmente quem amamos, não temos mais como agir de
algumas formas que antes agíamos e que nos geravam reforçadores (como a
presença dos amigos). Muitos de nós tivemos que lidar, e ainda estamos lidando,
com a falta de alguns reforçadores.
Como podemos melhorar essa situação?
Uma das formas é estabelecer condições para que comportamentos fora de casa possam
surgir no contexto do isolamento. Um exemplo disso são as conversas online com
pessoas distantes de nós, e assistir as lives de shows dentro de casa.
No entanto, podem não ser suficientes para “substituir” os reforçadores que antes
tínhamos. Para nos mantermos minimamente sãos nessa quarentena, precisamos
estabelecer condições para que novos comportamentos possam surgir, fazer coisas
novas que gostaríamos de ter feito antes, ou mesmo tentar coisas que nunca
tentamos, tal como ler coisas diferentes e aprender coisas novas.
Existem
duas ressalvas quanto a isso, mas primeiro, como exemplo do que está sendo
discutido, uma cena da nossa querida princesa pioneira do isolamento social
Rapunzel:
Nesse vídeo podemos ver Rapunzel se
engajando em diversas atividades diferentes enquanto isolada em sua torre,
atividades que parecem ser reforçadoras para ela, visto que as repete todo dia,
por 18 anos.
Quanto
às duas ressalvas sobre meus apontamentos, a primeira delas é que nem todos têm
condições econômicas ou até psicológicas de se engajar em algumas atividades
durante a quarentena, como participar de cursos online, sendo que inclusive alguns
sequer tem acesso à internet ou a um computador para isso. Vivemos em um
sistema econômico que não permite que todos as pessoas e grupos tenham acesso a
certos reforçadores. Por conta disso não enfrentamos a quarentena em iguais
condições.
Outra
ressalva é que mesmo os reforçadores que temos acesso precisam ser utilizados
com moderação. Ao recebemos muito de um mesmo tipo de reforçador pode acontecer
a saciação, que é quando um reforçador perde seu valor por ser apresentado em
excesso, como acontece em situações em que não comemos mais pois já estamos
cheios, apesar de a comida ser, até então, reforçadora (SKINNER, 2003b).
Acontece o mesmo quando fazemos uma atividade por tempo demais e com sempre as
mesmas consequências para nossa ação, até que “enjoamos” de fazer aquilo.
Portanto,
para além de protegermos a nós e a quem amamos, seria interessante, na medida
do possível, nos engajarmos em diferentes e novas atividades por mais simples
que pareçam (não precisa ler um livro imenso ou escrever um tratado de
filosofia), desde que nos sejam atividades reforçadoras e nos ajudem a viver um
dia de cada vez, até que possamos nos ver de novo.
Referências
bibliográficas:
SKINNER,
B. F. Comportamento operante. In: Ciência
e comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes. 2003a. p. 64
– 100.
SKINNER,
B. F. Privação e saciação. In: Ciência e
comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes. 2003b. p. 155 –
174.
SKINNER,
B. F. Psicoterapia. In: Ciência e
comportamento humano. São Paulo: Martins Fontes. 2003c. p. 391 –
417.
Notas
em behaviorês:
*
O artigo de Skinner “O que está errado na vida cotidiana no mundo ocidental” de
1986 correlaciona problemas como tédio e apatia com práticas culturais do
ocidente, e acrescenta uma discussão sobre pleasing
effect (algo como efeito “agradável”) e strengthening
effect (efeito fortalecedor) que pode auxiliar na compreensão sobre o tema.
*
Um podcast de análise do comportamento chamado ACearáCAST, um projeto da
Universidade Federal do Ceará, ultimamente lançou vários episódios discutindo
questões da quarentena em uma abordagem comportamentalista. Link: https://soundcloud.com/acearacast
Excelente postagem, percebo que a necessidade de enxergar uma função/importância para o que estamos fazendo também é um fator determinante na disponibilidade e relevância que damos ao nosso trabalho, sendo esse um dos grandes motivos pra infelicidade do trabalhador: não enxergar a relevância daquilo que esta fazendo (a níveis e temas variáveis).
ResponderExcluirDe fato, se pensarmos no contexto do trabalho o leque para uma interpretação sobre o tédio é ainda maior
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